A explicação do totemismo para a origem da culpa, na humanidade de que a morte do Pai da horda reflete no inconsciente racial e cria o contínuo sentimento de culpa, adota a hipótese de que os israelitas mataram Moisés e que essa morte é a repetição da morte do pai primitivo, “Esta morte fez o grande crime real para os israelitas, se bem que, permanecendo profundamente sepultado no inconsciente racial, aumentou o sentimento de culpa, que continuou a perseguir os filhos de Israel”[1]
A teoria da origem da culpa na psicanálise como sendo “a desobediência do filho e a sua afeição pelo pai, até a conspiração para a sua morte”, tem a sua conclusão de que a infelicidade do homem veio pela culpa da morte do pai. Dando continuidade a esse raciocínio, Freud concluiu que a doutrina do pecado original se tornou chave na igreja primitiva, devido simbolizar o nível inconsciente, o assassinato do pai da horda primitiva. A salvação do pecado original só pode ser alcançada através de uma morte expiatória, por isso ele conclui:
“A doutrina principal é a reconciliação com Deus Pai, a expiação do crime contra ele; mas o outro lado da relação se manifesta no Filho que tomou sobre sí a culpa, tornando-se Deus ao lado do Pai, o cristianismo torna-se uma religião do filho. Não pôde escapar ao fato de destruir o Pai de suas funções”.[2]
Na teologia Cristã quem mais perdeu foi o “filho”, pois surge o sentimento de forma negativa o “medo” [3], no entanto o relato da história é que o Pai, busca a comunhão perdida com o filho, (homem) e culmina com a redenção através do seu Único Filho, (unigênito), que veio restabelecer a paz que havia sido rompida com o ato de desobediência do primeiro homem. “Vindo à plenitude do tempo Deus enviou o seu único filho, nascido de mulher, nascido sob a lei”. [4]
A teologia cristã é a única que apresenta a ressurreição como ápice final na conclusão do processo redentivo do homem. È interessante que no totemismo freudiano, a culpa dificilmente será redimida pela humanidade, pois o que poderá ela fazer para eliminar esse complexo? O simbolismo da psicanálise de que o filho matou o pai, fala da culpa que agora ele terá de conviver, no entanto não há solução em como se livrar da culpa.
A teologia cristã admite certa “morte”, do homem através da separação do seu criador (pai), foi essa a advertência feita ao homem (filho): “E o SENHOR Deus lhe deu essa ordem: de toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás”. [5]
Embora haja paralelo no relato bíblico da criação de que a “morte” do pai pelo filho, causado pelo desejo do filho em ter algo que o pai tinha, “Ser igual a Deus, (pai) obtendo através de comer o fruto da arvore da ciência do bem e do mal”. Há um fator que no cristianismo difere, a advertência feita pelo pai como um fator que preservaria a vida do homem (filho), e não no egoísmo do Pai em ter para si algo que despertou cobiça e revolta no filho.
A cobiça é comum nas duas narrações, tanto do relato totêmico quanto da criação, no entanto as motivações do pai, é que diferem, pois enquanto o pai, na psicanálise se mostra egoísta, o da criação se mostra altruísta. Enquanto a “morte” é o ponto comum entre os dois, como único meio para que o homem (filho) obtenha o seu objeto de desejo, as intenções diferem. Qual seria então a proposta para que o homem se livre dessa culpa?
Na psicogênese da religião segundo a psicanálise, o estado de culpa que o homem vive é o que produz a necessidade da religião, e que o amadurecimento transportará o homem da fase da infância para a fase adulta, e a maturidade extinguira a religião, por essa se fazer necessária devido à infantilidade do homem, tanto individual, quanto coletiva, se tratando da humanidade, os conflitos infantis têm duplo sentido; sobre essa teoria comenta o teólogo católico Hans Kung:
“Conflitos infantis tem duplo sentido: da infância do individuo humano e da infância da espécie humana; conflitos, portanto, já dos primeiros tempos da humanidade, pois a infância do individuo é na verdade uma imagem da infância da humanidade, a ontogênese do indivíduo humano é uma reprodução da filogênese da espécie humana! Em ambos os casos a raiz das necessidades religiosas é o desejo pelo pai, em ambos os casos o papel central é representado pelo complexo de Édipo”.[6]
Nos tempos em que essa teoria foi elaborada, havia uma perspectiva positiva quanto a essa maturidade como uma formula para que o homem ficasse livre de suas neuroses, no entanto, os tempos têm mostrado que a religiosidade no homem é um fenômeno universal, e nem a pós-modernidade tem livrado o homem dessa inquietação, dessa “infantilidade”.
O homem continua tão neurótico quanto nos tempos que foi elaborada essa teoria, o cristianismo parte do pressuposto que o homem é um ser espiritual, como criatura tem a Imago Dei (Imagem de Deus), e somente com uma re-ligação entre ela e o criador, dará a liberdade do Ser, como livre da neurose, isso porque “Há um vazio profundo, um buraco imenso dentro do seu ser, suscitando questões como gratuidade e espiritualidade, futuro da vida e do sistema terra. Esse buraco existencial é do tamanho de Deus, por isso só Deus é capaz de preenchê-lo”.[7]
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Notas
[1] Rosa Merval. Psicologia da Religião. Ed. JUERP. 1979. p. 62
[2] Idem.
[3] Gênesis 3:8 Narra que o sentimento de afastar-se do pai, produziu insegurança, mais tarde Freud, faz mais uma correlação com a teoria do estado de infância da religião, como um processo de infantilidade da raça humana, que posteriormente com a maturidade perderá todo o sentido de existir.
[4] Gálatas 4:4.
[5] Gênesis 2 16-17
[6] Hans Kung. Freud e a Questão da religião. Ed. Verus. 2006.p. 41
[7] Leonardo Boff. Espiritualidade - Um caminho de transformação. Rio de Janeiro. Ed. Sextante 2001 p.12